7 de novembro de 2024

Quarto de Despejo

 

Editora Ática

É incrível como eu fiquei tantos anos sem conhecer Carolina Maria de Jesus - e olha que eu gosto de literatura! Seu primeiro livro, "Quarto de Despejo", foi um bestseller mundial: tiragens altas no Brasil, Estados Unidos, França e outros países. Ela mudou da favela para uma casa de alvenaria, para um sítio, veio a ditadura, e a autora foi esquecida e morreu. Recentemente, fala-se mais sobre ela, e há duas boas edições desse primeiro livro - da Editora Ática, que eu li, e da Editora Companhia das Letras. Espero que isso signifique que mais gente leia sua obra e sobre ela.

Carolina Maria de Jesus queria ser escritora - e foi - escrevendo romances, poesia, teatro, contos... Mas quando conheceu um jornalista e mostrou seus escritos, ele a incentivou a fazer um diário para que ele pudesse publicar. Ao ler o apêndice dessa edição, há inclusive a menção do fato do gênero de literatura "Diário" ser tão difundido fora do Brasil, mas aqui ser considerado algo menor (eu mesma sempre associo a crianças.)

Após alguns anos, Carolina Maria de Jesus entrega os manuscritos ao jornalista Audálio Dantas, que faz uma boa edição tirando trechos, e corrigindo apenas palavras que não eram compreensíveis, mantendo erros gramaticais e ortográficos e a cadência de escrita da autora, e consegue publica-lo. 

São esses escritos que ficaram famosos e chegaram até nós - seu diário, relato do seu dia a dia - não aquilo que ela planejou e quis escrever como literatura, e realmente escreveu. Parece-me que ela ainda é restrita ao que queremos saber dela: o insólito sobre viver numa favela, a dificuldade de trabalho e de dinheiro, mas não mais que isso. 

Não me levem a mal: isso já é bastante para desconstruir nossa visão de escritor, alguém com muitos anos de estudo e técnica, com o português padrão, seguindo uma fórmula de narrativa conhecida (por exemplo, a jornada do herói). Ler um livro publicado da Carolina Maria de Jesus mostra que toda linguagem é válida, toda circunstância é válida, toda história vale ser contada. Humanos são serem narrativos, com certeza.


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