|
Editora Objetiva |
Um livro simples e lindo. "A Trégua", de Mario Benedetti, é assim. Daqueles de marcar o cantinho da página dos trechos mais sensíveis. Daqueles de se envolver tanto e ficar com o coração na mão. Daqueles de perder o sono para ler só mais um pouco, só mais um pouco, mesmo sem ter nada a ver com o personagem principal.
Martín Santomé é uruguaio, viúvo, tem 3 filhos e vai se aposentar em breve e, no diário que ele escreve, começa a refletir como será sua vida quando chegar o ócio. Ele se sente velho - e o mundo mudou bastante nesse último século - porque ele tem apenas 50 anos. Então, ele se apaixona por uma mulher com metade da sua idade, e aí temos um romance. Um livro simples e lindo.
Faz tempo que não faço isso, mas não poderia deixar algumas citações de fora desse blog.
"Frio e vento. Que peste. E pensar que, quando tinha 15 anos, eu gostava do inverno! Agora, começo a espirrar e não paro mais. Às vezes, tenho a sensação de que, em vez de nariz, tenho um tomate maduro, com aquela madureza dos tomates dez segundos antes de começarem a apodrecer. Quando me vejo por volta do 35o espirro, não consigo evitar sentir-me em inferioridade de condições em relação ao gênero humano. Admiro o nariz dos santos, aqueles narizes afilados e livres que a gente vê, por exemplo, nos santos de El Greco. Admiro o nariz dos santos, porque estes (é evidente) jamais ficavam resfriados, jamais eram arrasados por estes espirros em cadeia. Jamais. Se tivessem espirrado em sequências de vainte ou trinta explosões consecutivas, eles não poderiam evitar entregar-se devotamente às blasfêmias orais e intelectuais. E quem blasfema - mesmo no mais simplificados dos maus pensamentos - está fechando para si mesmo o caminho da Glória."
"Uma vez, faz muitos anos, ouvi o mais velho deles dizer: 'O grande erro de alguns homens de comércio é tratar seus empregados como se estes fossem serem humanos.' Nunca me esqueci nem me esquecerei dessa frasezinha, simplesmente porque não a posso perdoar. Não só em meu nome, como também em nome de todo o gênero humano. Agora sinto a forte tentação de inverter a frase e pensar: 'O grande erro de alguns empregados é tratar seus patrões como se estes fossem pessoas.' Mas resisto a essa tentação. Eles são pessoas, sim. Não parecem, mas são. E pessoas dignas de uma odiosa piedade, da mais infamante das peidades, porque a verdade é que formam para si uma casca de orgulho, uma embalagem repugnante, uma sólida hipocrisia, mas no fundo são ocos. Asquerosos e ocos. E padecem a mais horrível variante da solidão: a solidão daquele que nem sequer tem a si mesmo."