28 de abril de 2012

Divórcio em Buda

Editora Companhia das Letras

O título "Divórcio em Buda" pode soar muito estranho para quem não sabe, ou não acessar naquele lugar profundo do cérebro que guardou a informação que Buda é uma cidade até que muito conhecida, já que com sua "irmã" Pest, forma Budapeste na Hungria. O autor Sándor Márai me foi indicado pelo pessoal do clube do livro, que leu "As Brasas" e adorou. Curiosa eu já fiquei desde o começo ao ler a obra de um autor que chegou aos 89 anos, passando por tanta coisa, inclusive pelas grandes e frias guerras, e se suicidou.

Sándor Marai parece um artista pintando delicadamente um quadro cheio de detalhes, cores e nuances através da forma que ele descreve os personagens: como eles são, o que eles fazem, e sua história de vida para dar uma visão psicológica completa dos mesmos, especialmente do personagem principal, Kristóf Kömives, um juiz de divórcio.

Isso significa também que, de certa forma, a "história mesmo", o conflito que você sabe que se apresentou na primeira página, só vai começar a "acontecer" lá pela metade do livro, depois da página 70. Parece então que o livro acelera agarrando o leitor com cordas invisíveis que ele só percebe quando já está preso.

Agora é só procurar o resto da obra dele, que não é tão extensa assim, para saber de que material é feito um ótimo autor.

25 de abril de 2012

A língua absolvida

Editora Companhia das Letras

Elias Canetti é um ganhador do prêmio Nobel (1981) que escreveu as memórias de sua infância / juventude nesse livro, "A língua absolvida". Nós somos apresentados a um mix de cultura surpreendente: ele é judeu sefardita (de origem ibérica), que nasceu na Bulgária, morou na Inglaterra, na Áustria e na Suiça, tudo isso antes dos 16 anos, no começo do século passado (com a Grande Guerra de pano de fundo, quando não se sabia que ela era a primeira).

A língua aqui pode ser uma das várias que ele falava: o ladino (um dialeto de judeus sefardins), o búlgaro, o inglês ou o alemão, mas há maiores chances de ser esta última, que foi inculcada em sua cabeça pela sua mãe em 3 meses, de uma maneira deveras traumática. Mãe esta com a qual ele tem uma relação das mais estranhas, pois ela é claramente desequilibrada, e tem 3 filhos para criar (ele é o mais velho), depois que o marido morreu precocemente (enquanto eles moravam em Manchester, com cerca de 30 anos).

Embora psicólogos de plantão possam deitar e rolar para destrinchar essa relação complicada de mãe e filho, o que me chamou atenção mesmo é a relação dele com a literatura, como ele chegou aos clássicos tão cedo, a própria censura que sua mãe foi fazendo de umas e outras obras, e o seu processo de auto-descobrimento como escritor. Do menino que inventava histórias para as figuras do papel de parede até o primeiro livro, dedicado a mãe (sim, sempre ela!), que ele sabia que era muito ruim.

Como o conhecimento literário dele é construído com autores de língua alemã, principalmente, toda uma gama de autores não muito usuais para nós, brasileiros, é apresentada ao longo do livro. Vale a pena para os interessados no assunto.

(Ah, um comentário curioso, mesmo sabendo tantas línguas, ele declara ter escrito todos os seus livros em estenografia, a qual ele aprendeu no começo da adolescência. Que louco, não?)


21 de abril de 2012

A Mensagem de Efésios

Editora ABU

"A Mensagem de Efésios" é um livro de estudo, por assim dizer, em que John Stott apresenta cada trecho do livro bíblico e o explica, tanto contextualizando, como apresentando os termos gregos e suas possíveis traduções, correlacionando com o seu uso em outras partes dos escritos de Paulo ou outros autores. É bem detalhado, mas não é um livro longo, então não é um livro para ler casualmente, mas sim prestando bastante atenção.

Por outro lado, eu também me surpreendi com a "modernidade" de interpretação de um dos trechos da Bíblia que pode ser mais polêmico na sociedade de hoje, aquele em que a mulher deve ser submissa ao marido. Stott explica o que é esperado na nova sociedade de Deus, em que homem e mulher, pais e filhos, senhores e servos, tem o mesmo valor, mas não necessariamente a mesma função de autoridade.

É claro que você tem que aceitar, desde o começo, um Deus que criou primeiro o homem e depois a mulher, e escolheu a ele para ter autoridade no relacionamento do casal, e ser o guia ("o cabeça"), mas o que Deus "exige" em troca também é bastante, ao fazer a analogia do papel do marido com a de Cristo que é o cabeça da Igreja e a amou ao ponto de se sacrificar por ela, e ainda hoje investe no seu aperfeiçoamento através da santidade. Ou seja, o marido deve amar demais a sua esposa, fazer sacrifícios pelo bem-estar dela, e trabalhar para que ela desenvolva todo seu potencial em ser e fazer. Se essa postura ainda pode ser chocante hoje (em que muitos casais só buscam o prazer um com o outro, enquanto mantém suas independências em suas "corridas" particulares, imagina há dois mil anos, em que a mulher realmente vivia só para a vontade do marido).

É muito cômodo lembrar e desdenhar continuamente do que é pedido para a esposa nesse relacionamento (e Stott se preocupa em explicar que submissão é inclusive diferente da obediência que é pedida aos filhos em relação aos pais), mas não considerar o papel do marido.

Embora seja esse o ponto que mais me marcou, o livro é mais do que isso, apresentando todo o ideal da Sociedade de Deus, que foi descrito no livro de Efésios, uma mensagem ainda de esperança no mundo de hoje.



16 de abril de 2012

Claraboia


Editora Companhia das Letras - Capa Hélio de Almeida

É muito estranho ler um livro do Saramago antes de ele ser, propriamente, Saramago. Ele escreveu "Claraboia" na década de 50 e depois de ser recusado pelas editoras, o seu próximo livro só aconteceu 20 anos depois, e nesse período, ele se transformou no escritor que conhecemos hoje. Não é que o livro seja ruim - não tinha como ser - mas não é o Saramago. Para começar, os diálogos tem travessões, e todos os personagens são claramente identificados com nomes! :)

A história é a respeito de moradores de um prédio bem simples em Lisboa - pai e mãe com a filha adolescente, pai português e mãe espanhola num casamento acabado com o filho pequeno, a mulher sustentada pelo amante, as duas velhas e as duas jovens (mãe, tia, filhas), o casal que aluga um quarto para o forasteiro... A trama é contínua no tempo, então temos manhã, tarde, noite, acompanhando um pouquinho da vida de cada núcleo e vendo como essas histórias se tocam ou cruzam, como se o espaço restrito necessariamente aproximasse as pessoas (não mais, se você vive em São Paulo).

A única discussão filosófica que ocorre, bem claramente, é a conversa entre o sapateiro, senhor de idade, e o jovem a quem ele aluga um quarto, sobre o sentido da vida, por assim dizer. O senhor de idade é um comunista "aposentado", que acredita no amor a humanidade, o jovem já é pessimista e desiludido. Engraçado pensar num Saramago jovem que possa ter projetado um pouco de si em um desses dois personagens... ou nos dois?

12 de abril de 2012

Desonra

Editora Companhia das Letras

Quando me perguntaram no Clube do Livro se eu tinha gostado desse livro, minha resposta imediata foi "não". Depois, eu articulei um pouco mais: eu não gostei dos personagens. Eles são tão diferentes da minha concepção de mundo, que fica muito difícil compreendê-los e empatizar com eles. E o autor, J.M.Coetzee, não se dá ao trabalho de explicá-los muito, então fica mais difícil ainda - ou por outro lado, mais interessante, e isso rendeu várias discussões no clube.


O personagem principal, David Lurie, foi classificado de tonto ou arrogante, miserável ou obcecado, dependendo da leitura que a pessoa fez dos acontecimentos. Toda essa interpretação psicológica variada, que obviamente é influenciada pela nossa visão de mundo, é a grande riqueza de uum clube do livro, e por isso, novamente, eu estimulo a quem gosta de ler procurar um.


Sobre a história? Na África do Sul, num momento não muito bem definido, mas pós-apartheid, o descendente de holandês David Lurie é um professor frustrado de uma universidade que se envolve com uma aluna, e depois é acusado por ela de estupro. Verdade ou não, ele assume, e é expulso da faculdade, e resolve visitar a filha, que mora numa fazenda no interior - antes uma comunidade de hippie, na qual ela tinha uma namorada, agora vive a vida sozinha ali vendendo flores e hospendando cachorros. Pronto, nesse cenário pouco complexo, vem o fato que é o soco no estômago propriamente dito.

O livro flui bem e eu li em dois dias. Dá para discutir muito - sobre o homem, a mulher, a vida, a cultura tribal africana, o mundo ocidental, a moral, a honra, etc, etc, mas não é um livro confortável, de nenhuma maneira.


8 de abril de 2012

Este mundo tenebroso

Editora Vida

Depois de ter deixada bem clara minha (má) opinião sobre Deixados para trás, gostaria de comentar aqui sobre outro livro de ficção cristã, mas positivamente dessa vez. "Este mundo tenebroso" é praticamente um clássico, até pela idade mesmo (1986). Dividido em 2 volumes, é uma história emocionante e bem construída, na qual os eventos espirituais não são desconectados do que é chamado vida real, e bem embasado biblicamente.

Frank E. Peretti traz para o centro da trama literalmente a guerra espiritual de Efésios 6:11-12:

"Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes ficar firmes contra as ciladas do diabo; porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes."
Ou seja, temos bem claros anjos e demônios (não aqueles dos programas de TV, claro, mas bem mais sutis e perigosos), e no meio disso tudo os homens, que podem lutar em qualquer um dos lados - consciente ou inconscientemente. Então, junto com as personagens principais, vamos descobrindo do que se trata essa luta do mundo tenebroso, e que o mal existe mesmo, e o que o bem pode fazer nesse cenário. Entre os pontos principais, estão o poder da oração e a leitura da Bíblia.
O fato do livro ter sido escrito na década de 80 faz com que a história soe ultrapassada, porque o mundo mudou muito nesses últimos 30 anos, mas o que não mudou é o homem, pode ter certeza disso.

2 de abril de 2012

Um Brasileiro em Berlim

Editora Nova Fronteira

João Ubaldo Ribeiro (colunista do Estadão) foi convidado pelo DAAD (uma organização de intercâmbio acadêmico Brasil - Alemanha) para morar por um ano em Berlim, com a família, em 1990. Como escritor trabalha em qualquer lugar, lá foi ele de mala e cuia e esse livro, com o título óbvio de Um Brasileiro em Berlim, contém as  crônicas que ele fez sobre o cotidiano dele lá, que foram publicadas em um jornal alemão.

O livro é realmente engraçado, abusando dos clichês das diferenças culturais entre brasileiros e alemães, João Ubaldo faz você rir alto. Até porque algumas coisas são exageros, mas outras não, ainda mais há 20 anos, onde um mundo globalizado pela internet mal despontava. (E algumas particulares,  como os bicicleteiros da cidade continuam bem verdadeiras, eu sei).

Também digna de nota é a curiosa sensação de familiaridade com o "personagem" Bento, seu filho de 9  anos que protagoniza vários causos. Hoje ele é conhecido por ser VJ da MTV (fez também comerciais e novelas da globo).

Embora o fator político não esteja em questão, o fato do ano ser 1990, recém-caído o muro, permeia as histórias através do seu impacto cultural. Mas é primordialmente um livro leve e engraçado, para ser ler num dia. Vou colocar aqui uns trechos para inspirar vocês a procurarem o livro.

"Formada em meio a esse cetismo, a família estava, naturalmente, desprevinida para os rigores do inverno. Senti-me na obrigação de realizar pelo menos um seminário preparatório. Comecei com informações básicas, numa conferência preliminar em que abordei vários tópicos, tais como o que é o inverno, o que é frio (com uma aula prática mais ou menos dentro da geladeira), o que é uma ceroula, por que não se pode passear no Halensee de bermudas e sem camisa em janeiro, como se ecplica que neve não é algodão nem tem açúcar, e assim por diante."

"Dir-se-ia então que é mais difícil um brasileiro ser atropelado em Berlim do que um nadador olímpico se afogar numa piscina infantil. Ledo engano, conclusão precipitada. Tanto eu quanto minha mulher, que sobrevivemos rotineiramente à travessia das ruas mais conflagradas do Rio de Janiero, já fomos atropelados diversas vezes em Berlim. O recordista sou eu, com uns oito casos, todos sem maiores consequências, a não ser uma contusãozinha ou outra e protestos indignados por parte dos atropeladores. Sim, porque não fui atropelado por carros, ônibus ou caminhões, mas pelo mais terrível, impiedoso e ameaçador veículo que circula pelas ruas de Berlim: a bicicleta."