31 de janeiro de 2012

Bonequinha de Luxo


Editora Companhia das Letras - Capa Raul Loureiro

Se é quase impossível dissociar Audrey Hepburn, a joalheria Tiffany e a música Moon River, a razão é esta: a personagem Holly Golightly do livro Bonequinha de Luxo de Truman Capote, cujo filme fez sucesso na década de 60, e ainda rendeu o Oscar para Audrey.

O filme é um encanto, e o livro também. A história da garota enigmática que brilha na high society de Nova York é um conto de menos de 100 páginas, numa linguagem simples e descritiva, que permite ver as coisas acontecendo, ainda mais se a sua memória do filme é ainda clara. Se não for, você terá mais vontade ainda de assistir o filme de novo... E confirmar que o título em inglês, Café da manhã na Tiffany (Breakfast at Tiffany's) é bem melhor que o título traduzido, que carimba a personagem de Holly de uma maneira completamente desnecessária. O tal do café da manhã na Tiffany é porque ali, na frente da loja, ela encontra calma e então é algo muito simbólico da própria personagem. (E pensar que muita gente encontraria paz comprando coisas dentro da Tiffany...)

Além desse conto, há mais três no livro, todos caracterizando um personagem - parece que o objetivo é nos fazer conhecer alguém, e não o que acontece com essa pessoa, como se fosse um retrato. Gostei muito da prosa desse escritor jornalista, então não hesitaria em ler outros que caíssem em minhas mãos...

27 de janeiro de 2012

História do cerco de Lisboa

Editora Companhia das Letras - Capa Hélio de Almeida sobre relevo de Arthur Luiz Piza

O meu livro preferido do José Saramago é esse, uma verdadeira história de amor. Ou duas: nos dias de hoje, a tensão crescente entre Raimundo Silva e Maria Sara, e na época do ataque mouro a Lisboa, em 1147, entre Moogueime e Ourona. As histórias se entrelaçam porque Raimundo Silva, revisor de texto, resolve colocar um "não" numa frase de um livro da história de Portugal - que os cruzados NÃO ajudaram os portugueses a retomar Lisboa das mãos dos muçulmanos, e daí surge toda uma história paralela considerando que isso é verdade.

Meio contemporâneo, meio histórico, mas inteirinho Saramago, com muitos diálogos e orações curtas dentro de frases e parágrafos gigantes, a narração vai encantando e envolvendo. Esse livro tem um dos diálogos mais românticos que eu já li, e que me dá frio na barriga toda vez que eu releio. Para ver a genialidade de Saramago, o clímax da conversa é a simples frase "eu gosto de si".

Então vem um grão de sabedoria: quando a pessoa resolve falar, logo em seguida a essa primeira declaração, "Posso dizer-lhe que o/a amo?" (estou tentando não dar um spoiler muito nítido, por isso os dois possíveis gêneros), a conversa continua assim:

"Não, diga só que gosta de mim, Já o disse, Então guarde o resto para o dia emque for verdade, se esse dia chegar, Chegará, Não juremos sobre o futuro, esperemo-lo para ver se ele nos reconhece, ..."

(Fica subentendido, é claro, que a pontuação em Saramago é assim, sem ponto final ou de interrogação, as pessoas do discurso mudam na letra maiúscula, o que eu acho que dá muita agilidade ao texto - procure ler em voz alta.)

Gosto dessa abordagem de que o amor é algo que vem com o tempo, um sentimento construído em cima do relacionamento e um pouco de destino - desconfio das pessoas que saem amando assim a primeira vista (ao contrário da paixão, é claro, que geralmente é súbita). Mas ver o romance surgindo - que delícia que é! - é viver junto com os personagens, é aquecer o coração, é lembrar da nossa própria história ou sonhar com emoções futuras (repetidas ou novas). Genial, esse Saramago.  

23 de janeiro de 2012

Dilbert 6 - Terapia em Grupo

Editora L&PM

Quem trabalha com engenharia, principalmente de software, já leu alguma tirinha do Dilbert e lembrou de situações e pessoas muito parecidas com as retratadas ali em seu escritório (às vezes exageradas, às vezes cruelmente reais) e deu risada... Eu acho legal também porque mostra que "não estamos sozinhos" e às vezes nossos problemas são bem parecidos com o de muita gente por aí (a ponto de virar uma tirinha).

Dilbert foi publicado pela primeira vez em 89 por Scott Adams, que realmente foi programador (igual ao personagem), mas continua bem atual e contemporâneo: esse livreto tem as tirinhas de 2009, bem pontuado com o assunto do momento na época: a crise financeira.

Para quem gosta, eu recomendo o site oficial, dá para se inscrever e receber uma tirinha por dia direto na sua caixa de emails. Para quem não conhece, vai aí um tira gosto:

(Carol: Esse escritório está congelando.. Por que você não está com frio?
Dilbert: Meu cérebro é muito maior que o seu. Ele aquece meu corpo inteiro quando eu penso.
Dilbert: Mas seja o que for que você estiver fazendo parece estar funcionando também.)
Scott Adams - publicada em 01/mai/2009



19 de janeiro de 2012

Heartburn

Editora Vintage
Eu "descobri" Nora Ephron numa entrevista da revista Lola, mas se ela não é muito conhecida de nome, dificilmente você não assistiu algum filme dela, como Harry e Sally, Mensagem para você ou Julia e Julie. Eu gostei muito do papo dela e fui procurar seus livros, e escolhi Heartburn pelo título - que é intraduzível em português, já que significa "gastrite", "queimação", rementendo a comidas, mas sem o jogo de palavras do coração sendo machucado.

Sabe aquela amiga que não para de falar, vai emendando uma história na outra com muitos comentários paralelos para explicar esta ou aquela pessoa que vai surgindo, ou as emoções que ela está sentido? Esta é Rachel Samstat, que começou com uma coluna de jornal em que entrevistava pessoas e passava receitas delas, e tornou-se uma pequena "celebridade" com programa de TV e livros culinários na mesma linha, em que as receitas fazem parte de um contexto maior (neste, não é diferente, há diversas receitas no meio de parágrafos, a medida em que ela associa uma situação a um prato, como carne assada ou torta de limão).

O ponto de partida do livro é quando ela descobre que, grávida de 7 meses, o marido a está traindo desde praticamente o começo da gravidez (eles tem outro filho pequeno também). Então ela vai contando como tudo aconteceu, com flashbacks do namoro, do 1o casamento dela, de amigos, do trabalho, tudo numa linha contínua como um monólogo. Ela é engraçada e fala coisas muito inusitadas, então o livro não fica melancólico, embora a situação seja grave e ela esteja triste.

O livro é da década 80, então é interessante também ver referências a um mundo tão diferente em certos sentidos (em que grávidas tomavam drinks), mas não tão diferentes nas relações entre homem e mulher. Há muitas citações que eu gostaria de compartilhar aqui, mas eu vou colocar duas (longas, eu sei):

"Às vezes, eu acredito que o amor morre mas a esperança dura eternamente.
Às vezes, eu acredito que a esperança morre, mas o amor dura eternamente.
Às vezes, eu acredito que sexo mais culpa igual a amor,
e, às vezes, eu acredito que sexo mais culpa igual a sexo bom.
Às vezes, eu acredito que amor é tão natural como as marés,
e, às vezes, eu acredito que amor é um ato de vontade.
Às vezes, eu acredito que algumas pessoas são melhores no amor do que outras,
e, às vezes, eu acredito que todo mundo está fingindo.
Às vezes, eu acredito que amor é essencial,
e, às vezes, eu acredito que a única razão do amor ser essencial é que de outra forma você passaria toda sua vida procurando-o."

"Muito tem sido escrito recentemente sobre o fato de que homens não choram o suficiente. Chorar é tido como uma coisa desejável, um sinal de sensibilidade masculina madura, e acredita-se geralmente que quando meninos pequenos são ensinados que chorar não é coisa de homem, eles crescem incapazes de lidar com dor e angústia e desapontamento e sentimentos em geral. Eu gostaria de falar duas coisas sobre isso. A primeira é que eu sempre acreditei que chorar é uma atividade superestimada: mulheres fazem demais, e a última coisa que devemos querer é que isso se torne um excesso universal. A segunda coisa que eu quero dizer é: cuidado com homens que choram. É verdade que homens que choram são sensíveis aos e em contato com sentimentos, mas os únicos sentimentos que eles tendem a ser sensíveis a e em contato com são seus próprios."

Por fim, esse livro foi publicado recentemente no Brasil como "O Amor é Fogo", mas o filme adaptado do livro, com Meryl Streep e Jack Nicholson, chama-se "A difícil arte de amar" e é de 1986.

16 de janeiro de 2012

A letra escarlate


Editora Companhia das Letras - Capa: Raul Loureiro e Claudia Warrak
Este clássico da literatura norte-americana pode ser conhecido através dos 2 filmes baseados nele - sendo que o último, com a Demi Moore, é considerado ruim, principalmente a atuação da própria - mas a minha experiência com esse livro começou com a leitura e acabou hoje com a discussão no clube do livro. É incrivelmente enriquecedor ver a mesma história através de perspectivas de pessoas diferentes. Minha mente voltou cheia de várias ideias e comentários!

A narração sobre Hester Prynne, condenada a andar com a letra "A", de adúltera, costurada em escarlate no peito numa comunidade puritana do séc. XVIII nos Estados Unidos leva a discussões sobre culpa, pecado, moralidade, sociedade e o amor, além de relacionar com outros livros e filmes, como Crime e Castigo, O Crime do Padre Amaro e Dogville.

O livro é bem descritivo, tanto do ambiente como de personagens e circunstâncias, então ele vai devagar, com detalhes muito bem pensados e cheios de significado. (A introdução, em que Nathaniel Hawthorne fala sobre o serviço público em que trabalhava e como chegou até a história de Hester, eu considerei chatinha, embora possa dar uma melhor visão da sociedade da época).

Um dos personagens mais intrigantes é a Pérola (Pearl, mas aqui a tradução cabe) justamente a filha que Hester tem enquanto o seu marido está longe da cidade (provando o adultério) que é retratada como uma criança linda, inteligente e encantadora, vista como quase um ser élfico. E para explicar porque a criança foi batizada assim, há um dos trechos que eu mais gostei:

 "Sua Pérola - porque assim Hester chamou-a, não um nome expressivo de seu aspecto, que não tinha nada com o lustre calmo, branco, desapaixonado que seria indicado pela comparação. Mas ela nomeou a criança "Pérola" como sendo de grande preço - comprada com tudo o que ela tinha - o único tesouro de sua mãe!"

A Letra Escarlate é realmente um clássico, tanto por ser bem escrito como por retratar uma sociedade da época e fazer-nos pensar até sobre os dias de hoje (as relações entre o comportamento daquela pequena vila e o nosso mundo global). Além disso, é relativamente curto, cerca de 130 páginas e, além de edições em português, pode ser conseguido de graça em inglês no Kindle . Só vantagens para você que quiser ler. :)

10 de janeiro de 2012

Orgias

 Editora Objetiva - Capa Crama Design Estratégico

Não é inusitado que o senhor simpático retratado como um fofo boneco na capa do livro escreva um livro chamado Orgias? Quem conhece Luis Fernando Veríssimo não se surpreende, e sabe que não encontrará entre as crônicas nenhuma que seja ofensiva ou pornográfica, por assim dizer. Só humor de qualidade, de rir alto, dar risadinhas disfarçadas e ver o mundo ali retratado de forma muito sagaz.

As orgias do título se referem a diversas situações em que os instintos ganham da racionalidade ou civilidade, entre carnaval e festa de final de ano da empresa, entre festinhas infantis regadas a brigadeiro e papos de bar regados a cerveja. Tudo muito familiar a grande parte da população (se você ainda está nos papos de bar, talvez ainda não chegou nas festinhas de criança, mas se ainda participa das festas de criança, talvez ainda não chegou nos papos de bar).

Com diálogos rápidos e várias referências contemporâneas, o livro é leve e delicioso. De ler em um dia, e reler sempre que puder. 

6 de janeiro de 2012

Vanity Fair - Feira das Vaidades

Editora Randon
Eis que o meu ano começa com um calhamaço inglês do século XVII - 834 páginas (bem leves - e gratuitas! - no kindle) de um "romance de costumes", ou seja, uma descrição da sociedade da época. Sociedade aristocrática - a tal Feira das Vaidades do título, bem dito: nobres (príncipes, duques, marqueses...), burgueses ricos (embora alguns se tornem miseráveis), militares e colonizadores da Índia (na falta de palavra melhor).

William Makepeace Thackeray centrou a história em duas personagens femininas bem diferentes: Rebecca Spark e Amelia Sadley que saem da escola juntas, como amigas, mas em situação bem diferente: a primeira, Beckie, é orfã, sem riquezas, será governanta, mas é esperta e ambiciosa, a outra, Emmy, é a feminilidade vazia em pessoa, filha de burgueses, destinada a ser esposa frágil e inocente. Acompanhamos a história das duas, que se cruzam em vários momentos ao longo de 20 anos, e como cada uma enfrenta e lida com circustâncias bem diferentes.

Eu gostei muito de como o autor se intromete na narração como se fosse um observador presente, fazendo comentários ou descrições das pessoas, citando "amigos" e emitindo opiniões sobre condutas e personagens. É o momento de dar aquela risadinha, concordando ou não com ele, mas estando muito mais próximo de toda a história.

Também é interessante ver como a sociedade bem diferente se movimentava entre a Inglaterra e o Continente, indo para Bruxelas, Paris, Bolonha, durante e após toda a confusão com Napoleão. E como era natural misturar algumas palavras ou frases em francês na conversação, e às vezes até alemão, como a gente faz com o inglês hoje aqui no Brasil.

Eu, como uma apaixonada por Londres, também me deliciei com toda a cidade descrita ali - ruas e parques como Russell Square, Regent Park, Baker Street (antes de Sherlock!), Kensington Gardens, Hyde Park.

É um romance assim interessante pelo panorama histórico e social, e também pela história e pela forma que foi contado. Mas há de ter paciência, querido leitor, porque o autor realmente abusa das digressões para encher as mais de 800 páginas.