Editora Companhia das Letras - Capa Kiko Farkas e Elisa Cardoso |
Esse livro é bem diferente dos últimos que eu tenho lido: com uma linguagem sofisticada, os personagens são muito mais elaborados e ele é ponteado por discussões filosóficas. No começo, é preciso insistir. O autor se coloca "dentro" da cabeça das duas personagens principais, e acompanhá-las não é nada simples. Com a entrada de um terceiro personagem, o ritmo se apressas, as coisas começam a acontecer - e pronto, o livro lhe conquistou.
Reneé, uma concierge (um tipo de zelador) em um prédio chique em Paris, é autodidata, adora arte, filosofia e literatura, e observa os seus vizinhos com olho clínico. Ela se esforça para não escapar do estereótipo de concierge, agindo como boba e não deixando transparecer sua rotina de ler, visitar bibliotecas e assistir filmes cults e não acompanhar nada da programação da TV. Ela possui uma amiga faxineira portuguesa, Manuela, que é uma personagem deliciosa e divertida.
Paloma, uma garota de 12 anos, filha de um político socialista, uma mãe perdida em medicação antidepressiva e uma irmã universitária riponga, ela é extremamente inteligente e desiludida do mundo, então ela começa 2 diários: um de pensamentos profundos e outro sobre movimentos do mundo, para deixar para a posteridade antes de colocar fogo no apartamento em que mora (no prédio da Reneé) e se matar.
O terceiro personagem é um senhor japonês que se muda para o prédio e acaba por mudar a vida das outras duas (e sim, nesse momento que o livro fica bem legal).
Alguns detalhes realmente mostram como livro de literatura é diferente de um blockbuster (por mais que esses útlimos sejam muito divertidos): demoramos dezenas de páginas para descobrir o nome da Paloma (afinal, ela está escrevendo um diário, ela não vira e fala: Oi, eu sou a Paloma, sabendo que existem outras formas de identificar os seus escritos), o livro Anna Karenina é um dos preferidos de Reneé, e ela lê e se relaciona com ele e seu conteúdo, não é só uma citação para significar que a personagem é inteligente e pronto (como em A última música, nas mãos de Ronnie), e no meio da história, há verdadeiras pérolas. A maioria das frases que eu gostei fazem muito sentido dentro do contexto do livro, mas eu vou copiar algumas aqui para vocês sentirem o livro também:
"Se vocês querem compreender nossa família, basta olhar para os gatos."
Teste do texto com a mirabela (uma fruta, mas eu não consegui encontrar referências no google!) Se resistem mutuamente às poderosas investidas, se a mirabela ficasse no intuito de me fazer duvidar do texto e se o texto não consegue estragar a fruta, então sei que estou em presença de uma obra importante e, digamos, excepcional de tal forma que são poucas as que, ridículas e fátuas, não são dissolvidas na extraordinária suculência daquelas bolinhas douradas."
"A gramática é um fim e não somente um objetivo: é um acesso à estrutura e a beleza da língua."
"Vocês são sensíveis à poesia desse termo? Avitualha-se um barco, aprovisiona-se uma cidade. A quem não entendeu que o encatamento da língua nasce dessas sutilezas dirijo o seguinte pedido: desconfiem das vírgulas."
"Tenha só uma amiga, mas a escolha bem."
Esse livro demorou para chegar até às minhas mãos: foi presente da Fér para Ania uns anos atrás, e sou muito grata por ter oportunidade de lê-lo, e mais grata ainda por ter essas amigas de literatura!
Oi Taci!
ResponderExcluirAdoro esses livros franceses profundos! (mas adoro livros bobos também para variar um pouquinho. Você me deu vontade de ler esse "the last song", vou procurar na Fnac).
Não deve mesmo ser fácil achar referências a "mirabela" no Google, afinal essa frutinha ("mirabelle" em francês), que eu saiba, só existe aqui por estas bandas mesmo (mais precisamente nas regiões da Alsácia e da Lorraine, na França, e nas regiões da Alemanha próximas). É uma prima da ameixa, mas bem menorzinha e amarela :
http://fr.wikipedia.org/wiki/Mirabelle
E se te interessa, o primeiro livro desta autora se chama "Une gourmandise" e conta a história ligada à liberação do apartamento para onde se muda o Sr. Japonês. Está disponivel na biblioteca F.J.G.A.H. de Vinhedo :-)
Beijinhos
Fér
Oi taci!
ResponderExcluireu tb gostei bastante desse livro. É bonito, profundo e inteligente. As mulheres não são umas imbecis. Bem francês mesmo!
Fér, talvez eu passe lá na sua biblioteca para pegar algum. hhehehehe
Bjos!